O bem existe, apesar do mal que é apenas um porém, uma ínfima fração contida no bem quase infindável, incomensurável. A farpa que fura um dos dedos, detém a atenção do seu hospedeiro por meio da dor, ainda assim, o restante do seu corpo permanece funcionando, apesar da farpa, apesar da dor, apesar do mal. E este é o cerne da “graça” (favor) divino e da gratidão, porque tudo abaixo do firmamento é assim, abundante bem, limitado mal.
É perfeitamente compreensível alguma resistência a esta realidade, especialmente quando se está com quaisquer tipos de dores, mais especialmente ainda, aquelas da alma. Mesmo assim, o bem é tudo, é o mar que recebe um vazamento de óleo, é o rio puríssimo no qual o banhista pode urinar. O mesmo se aplica ao mal que uma vez nos foi feito, com consentimento (em um relacionamento, por exemplo) ou não (em um estupro, por exemplo) e, em ambos os casos, a gratidão pela oportunidade de superar, de ser maior do que o ocorrido, trata as feridas, aquieta o coração e dá sentido aos próximos passos no processo de individuação que chamamos de vida.
O bem contém, o mal está contido. A partir desta perspectiva, ver o lado bom, apesar do mal, fica bem mais fácil. “Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso”, disse o Mestre. Tal entendimento é, na minha opinião, o antídoto às possíveis queixas e murmurações de todo ser humano abençoado que vive neste mundo.